terça-feira, 25 de março de 2008

Sobre a Nossa Sombra

Já tem um tempo que quero escrever aqui no blog sobre a sombra, porque este aspecto do nosso inconsciente, ao mesmo tempo que nos amedronta, é uma ferramenta mestra para nos libertar de nossos padrões de sofrimento.

O termo sombra foi criado por Carl Gustav Jung e, em poucas palavras, ele se refere à parte de nossa personalidade que foi reprimida em benefício do ego ideal.

“...entendemos por sombra aquela parte da psique inconsciente que está mais próxima da consciência, mesmo que não seja completamente aceita por ela. Por ser contrária à atitude consciente que escolhemos, não permitimos que a sombra encontre expressão na nossa vida; assim ela organiza em uma personalidade relativamente autônoma no inconsciente, onde fica protegida e oculta.”
[1]

A sombra, tal como Robert Bly refere, pode ser comparada a uma comprida sacola que arrastamos atrás de nós.
Esta sacola começa a ser enchida desde a mais tenra infância. Logo com 1 ou 2 anos a criança é como se fosse um grande globo energético irradiando energia para todas as direções. Assim que nossos pais começam a reprovar nossos comportamentos dizendo frases como “um bom menino não bate no irmãozinho”, “pare de correr”, “fique quieto”, as crianças passam a buscar, então, um comportamento que seja condizente com o que os pais querem e, para tanto, reprimem aquela energia de raiva, ou de inquietação, reprimem os impulsos de correr, mexer... As que não reprimem, apenas trocam a repressão pela culpa de ter “agido mal”.
Em suma, quando a criança entra em contato com os valores de Bom ou Mal, a sacola vai se enchendo mais e mais, pois, como observa Robert Bly:

“Atrás de nós temos uma sacola invisível e, para conservar o amor de nossos pais, nela colocamos a parte de nós que nossos pais não apreciam.”
[2]

Além dos nossos pais, nossa experiência na escola acaba por ajudar a encher mais ainda nossa sacola, quando ouvimos “Bons meninos não fazem isso, ou aquilo...” “Boas meninas devem se comportar dessa maneira”; ou seja, novamente estamos diante dos valores bom, mau, certo, errado, pode, não pode.
Quero deixar claro que estes processos de repressão na fase da formação da personalidade, normalmente acontecem num nível inconsciente, uma vez que a criança não dispõe de uma compreensão clara acerca de suas escolhas. Isto porque, nossas referências para fazer escolhas na infância são os nossos pais (em caso de não haver um dos pais ou sermos criados por nossos avós, parentes próximos, eles serão referências para nós). E, como eles são nossas referências, novamente aqui atua escolher o que aprendemos ser certo e errado a partir da visão de nossos pais, porque queremos ter o afeto deles.

Assim, vamos arrastando nossa sacola pela vida afora, inicialmente quando levamos as referências de valores dos nossos pais, e mais tarde quando associamos estas já apreendidas às referências da sociedade apreendidas na escola, no convívio com nossos amigos, grupos religiosos, etc.

Na cultura cristã, por exemplo, o conteúdo a respeito da sexualidade geralmente acaba na sacola. Aprendeu-se a ver o sexo como pecaminoso, algo sujo, que só dever ser praticado com o intuito de reprodução.
Esse conteúdo na sacola começa a gerar muitos conflitos porque é uma forma de energia reprimida e natural do ser humano, mas que acabou sendo ignorada porque devemos agir “assim ou assado”.
Diante desta sacola o conflito aparece, justamente, porque nem tudo que aprendemos ser “errado ou mal” é, na verdade, essas duas coisas. E isso é que faz com o que o material da sacola comece a “cheirar mal” e a nos incomodar.
Uma criança pode sentir raiva porque a mãe não lhe deu o brinquedo que queria. Ela sente a raiva, mas diante dos valores que aprendeu de que “é feio ter raiva”, se sente culpada e coloca rapidinho aquele sentimento na sacola, porque não pode perder o amor da mãe. E ela percebe que isso “aconteceria se ela se permitisse sentir raiva”.

A dimensão da sombra é gigantesca nos adultos. A sacola aumenta proporcionalmente à quantidade de repressão e censura relativas aos nossos sentimentos naturais e espontâneos. Neste sentido, quanto mais repressores e censuradores os pais, mais dificuldades de entender as emoções sentidas e reprimidas dentro de nós.

Energias naturais do ser humano tais quais sexualidade, impulsividade, agressividade
[3], raiva, ódio, revolta são, normalmente, colocadas na sacola durante toda uma vida.
Aqui existe outro elemento: quanto mais guardamos essas energias, mais e mais intensas e latentes se tornam. Ficam como se fermentassem lá dentro de nós, e quando não colocadas para fora, acabam gerando a mais ampla gama de doenças e sintomas: azia, ulceras, enxaquecas, impotência, artrites, dores na coluna, câncer...
Conforme os anos passam, e este conteúdo sombrio cresce, tende a ser maior a dificuldade de entrar em contato com ele através de uma terapia. Por isso, muitas pessoas que já estão na chamada “meia idade” sentem muito medo de abrir a sacola. Existe muito medo dentro de nós de olhar para o que já foi guardado.
Por isso enxergamos muitas dessas coisas nos outros. Então, “a culpa do que acontece comigo é do outro”,

“Peça para um amigo lhe descrever o tipo de personalidade que ele acha mais desprezível, mais insuportável, mais odiosa e de convívio mais impossível; ele descreverá as suas próprias características reprimidas – uma autodescrição do que é absolutamente inconsciente e que, portanto, sempre o tortura quando ele recebe seu efeito de uma outra pessoa. Essas mesmas qualidade são tão inaceitáveis para ele precisamente porque elas representam o seu próprio lado reprimido; só achamos impossível aceitar nos outros aquilo que não conseguimos aceitar em nós mesmos. Qualidades negativas que não nos incomodam de modo tão intenso ou que achamos relativamente fácil de perdoar , em geral não pertencem à nossa sombra.”
[4]

Mas, quando estamos procurando nos conhecer, a sacola precisa ser aberta para liberarmos a energia desses sentimentos e emoções que armazenamos durante anos.

Através da psicoterapia, esta sacola pode ser aberta, percebida e assimilada, o que, por sua vez, propicia que seu potencial destruidor e conflitivo possa ser reduzido e a energia vital que estava aprisionada possa ser liberada, gerando mais tranqüilidade e equilíbrio emocional.
Nossa “pressão interna” ou “fermentação” irá diminuir.
Conhecendo o que guardamos inconscientemente por tanto tempo, podemos fazer escolhas mais sensatas a respeito de novamente empurrar ou não para nossa sacola sentimentos que precisam ser compreendidos e aceitos como parte de nossa natureza humana.
Assim, fica mais simples celebrar o que é espontâneo e natural na vida, fica mais simples exercitar nossa possibilidade de SER!

[1] ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo, Cultrix: 1991. p. 28.
[2] BLY, Robert. A comprida sacola que arrastamos atrás de nós. In: ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo, Cultrix: 1991. p. 30-36

[3] Antes que alguns gritem ou concluam antecipadamente, falo aqui da agressividade natural latente em nós, e não daquela direcionada aos outros. É natural ser agressivo no sentido de ter força garra, etc,. A agressividade no seu sentido distorcido e amplamente utilizada pelos seres humanos acaba sendo associada a um sentimento ruim, negativo por que a maioria das pessoas a canalizam para os outros.
[4] WHITMONT, Edward C.. A evolução da sombra. In: ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo, Cultrix: 1991. p. 37-42.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pati!!! Fico emocionada por ver o teu trabalho e o teu crescimento...Parabéns pela tua força de sempre né!!! Sinto muito a tua falta amiga...de verdade!!!
Bjs.

Anônimo disse...

Oi, Pati!
Nao sei exatamente o que me fez lembrar de dar uma olhada no teu blog aqui do outro lado do mundo num feriado chuvoso... mas voce sabe que coincidencias nao existem e o texto sobre sombra "caiu" bem para o meu momento atual!

Parabens pelo texto!! Muito bom!!
bjs, com saudades!!
Sempre te querendo bem e desejando sucesso!!
Pri

Bem pouco mais sobre mim... disse...

Pati querida, coloquei teu blog no meu blogroll, ok? Beijos!