quinta-feira, 12 de julho de 2007

Metas x Felicidade

Na última semana, uma reportagem[1] específica publicada na revista Mente e Cérebro despertou meu interesse ao abordar de maneira mais aprofundada um assunto que muito nos interessa: felicidade. Na capa da revista destacavam-se os seguintes dizeres “VOCE É FELIZ?”. E, em trecho ainda do título: “(...) OS QUE CONSEGUEM VIVER INTENSAMENTE O PRESENTE TÊM MAIOR CHANCE DE EXPERIMENTAR A FELICIDADE” (ou seja, a famosa sabedoria dos orientais mais uma vez sendo respaldada pela comunidade científica, hehehe, afinal esta revista específica de psicanálise, psicologia, neurociências e conhecimento tem o seu conteúdo internacional cedido pela conceituada Scientific American).
A ciência vem comprovar, somente agora, que este ensinamento de viver no presente é um dos aspectos mais pertinentes para que se alcance mais satisfação e felicidade na vida.

Por óbvio, dentro desta concepção nossos hábitos ocidentais se chocam violentamente contra este viver de forma consciente o presente, porque fomos ensinados a cumprir metas, perseguir objetivos para, então, sermos felizes, ou seja, somos programados para vivermos no amanhã.

Gostaria de destacar um trecho da reportagem que consta na Revista Mente e Cérebro que explicita esta reflexão de que perseguir metas em busca da felicidade pode trazer exatamente o oposto:

Pessoas que se preocupam demasiadamente em atingir objetivos têm menor probabilidade de ser felizes. (...) em razão da crença fortemente enraizada..., geralmente desde a infância, de que a felicidade depende do cumprimento de metas, algumas pessoas desenvolvem tendências a se concentrar de forma obsessiva no cumprimento de objetivos específicos. Com isso vivenciam ansiedade e pressões (muitas delas auto-impostas) enquanto esses objetivos não são atingidos. Essas pessoas acreditam que a felicidade será alcançada apenas em um ponto futuro.
Mas o que acontece quando, finalmente, a tarefa é concluída? Nessa etapa, prevalecem os hábitos e essas pessoas retomam o seu nível basal de felicidade. Ao se dar conta de que seu grau de felicidade não se alterou de forma permanente, concluem que a felicidade só será alcançada quando atingirem outros horizontes. Assim, as conquistas tendem a perder o valor até mesmo antes de os projetos estarem plenamente concluídos. Essa postura desencadeia uma frustração continuada diante das próprias realizações, como se estas fossem sempre insuficientes – ainda que racionalmente seja possível reconhecer seu valor
.”

É por isso que traçar metas excessivas opõe-se ao não aproveitar o presente, uma vez que só se pensa no futuro.
Muitas pessoas nem chegam a saborear algumas conquistas e já partem para novas opções, tirando o foco do que pode se tornar algo mais equilibrado, construído com paciência, e, no final das contas, mais prazeroso e satisfatório.

Traçar algumas metas e objetivos é saudável e natural para orientarmos nossa busca por realizações, porém, o problema aparece quando passamos a perseguir metas e mais metas e nem conseguimos mais aproveitar o hoje porque já estamos pensando no que temos de fazer amanhã para atingir mais e mais resultados, afora que muitas vezes o resultado não vem e o sentimento de frustração se instala.

Evidente que o mundo de hoje nos cobra rapidez ao invés de paciência, competitividade ao invés de participação, mas dentro de nossa esfera individual, o fixar-nos no presente é das poucas ferramentas de que dispomos para descobrir, perceber e nos conectar com o que está nos fazendo felizes e nos satisfazendo naquele exato momento para que possamos saborear este prazer.

Também nos ajuda a não nos contaminarmos pelas exigências impostas na mídia a todo instante de termos o corpo perfeito, o relacionamento perfeito, ou mesmo a felicidade suprema, todos mitos que permanecem sendo cultivados para que busquemos mais beleza, mais produtos, mais riqueza, em suma, mais afeto, mais “perfeição”...
Nesse contexto, a nossa exigência se torna crescente cada vez que buscamos mais e mais atingir o que se tem como perfeito ou perto disso, sem exatamente sabermos o que de fato estamos buscando.
Não paramos no presente para nos ouvirmos, para entender nossas necessidades, para nos olharmos, nos amarmos...

Existe uma inversão de valores a que fomos submetidos desde os primeiros ensinamentos que prioriza o fazer para ter, e na maioria das vezes ficamos oscilando neste binômio sem sequer pensar em SER. Exemplo desse movimento: você tem que estudar (fazer) para ter (carro, casa, sucesso, casamento, etc)

Na nossa cultura ocidental, nunca fomos ensinados a ser, mas sim a fazer para ter, e assim se torna comum esquecer-se do “ser”. Nossa maneira de olhar para o ser, infelizmente, na maioria das vezes, é através de crises, doenças, mal-estar, etc, e é aí que paramos para nos olhar, tentar buscar em nós onde está a raiz do problema, isso na melhor das hipóteses, porque há os que nem sequer olham pra si, permanecem culpando a vida, Deus, o marido, a esposa, os pais, enfim, o problema está no outro.
Se antes de qualquer movimento procurássemos nos ouvir com cuidado e carinho, com certeza nossas escolhas seriam pautadas por maior equilíbrio e respeito por nós mesmos, e, então, o nosso sucesso seria conseqüência disso, de estarmos satisfeitos e felizes naquele momento.
Mas o nosso movimento é sempre no sentido do “tenho que fazer para ter isso ou aquilo”, e nessa busca desenfreada do ter esquecemos totalmente da construção do “quem somos” (digo construção para não acharem que se “saber quem é” também é algo pronto e enlatado como um produto).

Para se sentir no presente, o ser humano precisa retornar à sua origem e experimentar sua essência. E não há fórmulas mágicas! Existem alternativas, tais como autoconhecimento, meditação, ou seja, demanda tempo e empenho.
Vivemos no mundo das fórmulas rápidas para buscar o sucesso e as realizações pessoais, no entanto, fazer um movimento interno em busca de amor próprio implica ter paciência, cuidado, nutrição do corpo e do espírito, cultivo da consciência do presente, perseverança, tudo o que contrasta com a busca frenética do prazer constante, mas vazio.

Estar consigo mesmo agora! Eis o desafio. SER, simplesmente, SER.

E não estou falando de se enfiar numa caverna ou viver recluso! Trabalhe, almeje, busque, mas faça isso com equilíbrio e consciência, permitindo-se estar presente nas suas atividades, permitindo-se desfrutar de suas conquistas (do contrário, mal se aproveita uma e já se busca outra, e o movimento infeliz começa).

Tomar a estrada que nos leva de volta a nós mesmos, ou à nossa essência, alma, ser superior, enfim, como queiram chamá-la, é a única busca constante que nos traz cada vez mais porções maiores de felicidade, porque vem da re-descoberta de um amor puído e embotado por milênios de crenças no sofrimento e na repressão dos sentimentos.

Enfim, parafraseando o final da reportagem (que acaba confirmando a sabedoria leiga) “felicidade não é um destino final, mas a apreciação da viagem”; eu só acrescentaria que esta viagem é a viagem de volta a nós mesmos e ao nosso amor próprio.

[1] WIEDERMAN, Michael. Você é feliz?. Mente e Cérebro.São Paulo, nº 174, p. 35-41, julho de 2007.