quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Escrever: ótima terapia!

Escrever pode ser muito útil em momentos de crise. Escrever um diário, fazer um poema, compor uma música, mesmo que seja algo tão íntimo que nunca ninguém leia, apenas você...
Eu estava à cata de idéias para um novo texto para o blog e, de repente, relendo alguns escritos antigos de um período bem difícil de mudanças internas, achei este pequeno texto que escrevi a mim mesma como forma de amenizar uma onda de intermináveis questionamentos. Inspire-se e escreva. No final das contas, sempre cai bem.

'Hoje resolvi abrir as cortinas, dar uma arejada no peito. Já estava tudo cheirando a mofo mesmo e com ares de acomodação. Aquele tipo de ambiente em que a decoração continua igual, os quadros velhos, o sofá no ângulo errado, a cortina desgastada...
E eu fui ficando nesse espaço quietinha e sem vontade de mexer em nada.
Belo dia, chegam velhas visitas, dores conhecidas, que voltam a nos ver de vez em quando... Exatamente, e nem tanto ironicamente, no dia em que não queremos ser incomodados.
Aquele pessoal todo que a gente já conhece faz tempo, mas nunca convida pra entrar. A típica visita que a gente põe a vassoura atrás da porta, ou um pratinho de sal grosso pra espantar e sair logo...
E elas chegam, se demoram, tomam um café... até que depois de estragar o dia vão embora prometendo voltar no dia seguinte por causa daquele álbum antigo que não tiveram tempo de folhear hoje...
Bati a porta. Corri para a caixa de memórias e joguei tudo fora.
Revolução! Sumi com as cortinas, tirei os quadros, mudei tudo de lugar, e além do prato de sal grosso coloquei um vaso de espada de são Jorge na soleira da porta. UFA!
Chega de preguiça! Como descortinei, o sol vai entrar amanhã direto, logo bem cedo, de manhã, gritando: desperta!! E lá vou eu cuidar de tudo e do meu espaço. Vou sair pra trabalhar e me demorar bastante para que as visitas chatas não encontrarem ninguém. Á noite, farei aquele macarrãozinho esperto, ouvirei minha música preferida, e depois ficarei em silêncio curtindo todo céu interno onde não há mais cortinas.
Tudo isso em exercício diário de devoção a mim mesma! Afinal, a disciplina é mestra de ferro para me ajudar a não ficar entulhada junto com as coisas velhas que embotam a visão da beleza do céu lá de dentro, seja com estrelas e lua ou com o sol do meio dia. Ainda que, de vez em quando, haja chuva, ventos, tempestades.'

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Parábola para refletir...


Adoro parábolas! Quando estamos num momento de crise, de sofrimento, de perda, tentamos buscar uma explicação plausível para o que está acontecendo em nossas vidas. Nessa situação procuramos obter ajuda de amigos, ler livros, ou mesmo fazer um exercício muito comum: auto-punição. Tudo para tentar entender o que está se passando com a gente. Nesse sentido, acho bárbaro o papel das parábolas. Elas são histórias simples, que passam ensinamentos muito diretos e, ao mesmo tempo, muito poderosos, pois tocam em pontos certeiros que nos forçam a reflexão. Uma delas faço questão de colocar aqui, pelo sua contundência... não tem como não identificar nosso velho hábito de julgar...
As aventuras e desventuras de um camponês

"O único problema com a tristeza, desesperança, raiva, desamparo, ansiedade, angústia, miséria, é que você quer se livrar delas. Essa é a única barreira. Você terá que conviver com elas. Você simplesmente não pode escapar. Estes são a própria situação na qual a vida precisa se integrar e crescer. São os desafios da vida. Aceite-os, pois são bênçãos disfarçadas.

Um homem tinha um belo cavalo, e o cavalo era tão raro que mesmo imperadores pediam ao homem que o vendesse, pelo preço que quisesse, mas ele recusava. Uma manhã, ele descobriu que o cavalo havia sido roubado.A aldeia inteira reunida solidarizou-se com ele, e disseram: “Que desgraça! Você podia ter conseguido uma fortuna, as pessoas estavam oferecendo tanto dinheiro. Você foi teimoso e tolo. Agora o seu cavalo foi roubado.”Mas o homem apenas sorriu e falou: “Não digam bobagens! Apenas digam que o cavalo não está mais no estábulo. Deixem o tempo passar, então veremos.”E aconteceu que depois de quinze dias o cavalo retornou, e não estava sozinho. Trouxe consigo uma dúzia de cavalos selvagens da floresta. A vila inteira reuniu-se e disseram: “Ele estava certo! Seu cavalo está de volta e trouxe com ele mais doze lindos cavalos. Agora ele pode ganhar todo o dinheiro que desejar.” Eles chegaram para o homem e disseram, “Desculpe-nos. Não pudemos entender o futuro e os caminhos de Deus, você, porém, é formidável! Você sabia alguma coisa sobre isso; deve ter previsto o futuro.”Ele disse, “Besteira! Tudo que sei é que agora o cavalo retornou com outros doze cavalos – o que vai acontecer amanhã, ninguém sabe.”E no dia seguinte aconteceu que o único filho desse homem estava tentando montar num novo cavalo quando caiu, e suas pernas ficaram quebradas. Toda a vila reuniu-se novamente e eles disseram: “A gente nunca sabe – você estava certo; isso provou ser uma maldição. Teria sido melhor se o cavalo não tivesse voltado. Agora seu filho irá permanecer aleijado para o resto da vida.”O velho homem disse, “Não tirem conclusões apressadas! Esperem e vejam o que irá acontecer. Digam apenas que meu filho quebrou suas pernas – isso é tudo.”Depois de quinze dias aconteceu que todos os jovens da cidade foram forçadamente convocados pelo governo, porque o país estava prestes a entrar em guerra. Somente o filho desse homem foi deixado pois ele não tinha nenhuma utilidade. Todos se reuniram e disseram: “Nossos filhos foram levados! Você pelo menos tem seu filho. Pode ser que ele fique aleijado, mas está aqui! Nossos filhos se foram, e o inimigo é muito mais forte; todos eles serão mortos. Na nossa velhice não teremos ninguém para cuidar de nós, mas você pelo menos tem o seu filho e talvez ele possa ser curado.”Mas o velho disse, “Digam somente isso – que seus filhos foram levados pelo governo. Meu filho foi deixado, mas não se pode concluir nada além disso.”Limitem-se aos fatos! Não recebam nada como uma maldição ou uma bênção. Não as interpretem e, subitamente, vocês verão que tudo é belo." _ Osho

terça-feira, 25 de março de 2008

Sobre a Nossa Sombra

Já tem um tempo que quero escrever aqui no blog sobre a sombra, porque este aspecto do nosso inconsciente, ao mesmo tempo que nos amedronta, é uma ferramenta mestra para nos libertar de nossos padrões de sofrimento.

O termo sombra foi criado por Carl Gustav Jung e, em poucas palavras, ele se refere à parte de nossa personalidade que foi reprimida em benefício do ego ideal.

“...entendemos por sombra aquela parte da psique inconsciente que está mais próxima da consciência, mesmo que não seja completamente aceita por ela. Por ser contrária à atitude consciente que escolhemos, não permitimos que a sombra encontre expressão na nossa vida; assim ela organiza em uma personalidade relativamente autônoma no inconsciente, onde fica protegida e oculta.”
[1]

A sombra, tal como Robert Bly refere, pode ser comparada a uma comprida sacola que arrastamos atrás de nós.
Esta sacola começa a ser enchida desde a mais tenra infância. Logo com 1 ou 2 anos a criança é como se fosse um grande globo energético irradiando energia para todas as direções. Assim que nossos pais começam a reprovar nossos comportamentos dizendo frases como “um bom menino não bate no irmãozinho”, “pare de correr”, “fique quieto”, as crianças passam a buscar, então, um comportamento que seja condizente com o que os pais querem e, para tanto, reprimem aquela energia de raiva, ou de inquietação, reprimem os impulsos de correr, mexer... As que não reprimem, apenas trocam a repressão pela culpa de ter “agido mal”.
Em suma, quando a criança entra em contato com os valores de Bom ou Mal, a sacola vai se enchendo mais e mais, pois, como observa Robert Bly:

“Atrás de nós temos uma sacola invisível e, para conservar o amor de nossos pais, nela colocamos a parte de nós que nossos pais não apreciam.”
[2]

Além dos nossos pais, nossa experiência na escola acaba por ajudar a encher mais ainda nossa sacola, quando ouvimos “Bons meninos não fazem isso, ou aquilo...” “Boas meninas devem se comportar dessa maneira”; ou seja, novamente estamos diante dos valores bom, mau, certo, errado, pode, não pode.
Quero deixar claro que estes processos de repressão na fase da formação da personalidade, normalmente acontecem num nível inconsciente, uma vez que a criança não dispõe de uma compreensão clara acerca de suas escolhas. Isto porque, nossas referências para fazer escolhas na infância são os nossos pais (em caso de não haver um dos pais ou sermos criados por nossos avós, parentes próximos, eles serão referências para nós). E, como eles são nossas referências, novamente aqui atua escolher o que aprendemos ser certo e errado a partir da visão de nossos pais, porque queremos ter o afeto deles.

Assim, vamos arrastando nossa sacola pela vida afora, inicialmente quando levamos as referências de valores dos nossos pais, e mais tarde quando associamos estas já apreendidas às referências da sociedade apreendidas na escola, no convívio com nossos amigos, grupos religiosos, etc.

Na cultura cristã, por exemplo, o conteúdo a respeito da sexualidade geralmente acaba na sacola. Aprendeu-se a ver o sexo como pecaminoso, algo sujo, que só dever ser praticado com o intuito de reprodução.
Esse conteúdo na sacola começa a gerar muitos conflitos porque é uma forma de energia reprimida e natural do ser humano, mas que acabou sendo ignorada porque devemos agir “assim ou assado”.
Diante desta sacola o conflito aparece, justamente, porque nem tudo que aprendemos ser “errado ou mal” é, na verdade, essas duas coisas. E isso é que faz com o que o material da sacola comece a “cheirar mal” e a nos incomodar.
Uma criança pode sentir raiva porque a mãe não lhe deu o brinquedo que queria. Ela sente a raiva, mas diante dos valores que aprendeu de que “é feio ter raiva”, se sente culpada e coloca rapidinho aquele sentimento na sacola, porque não pode perder o amor da mãe. E ela percebe que isso “aconteceria se ela se permitisse sentir raiva”.

A dimensão da sombra é gigantesca nos adultos. A sacola aumenta proporcionalmente à quantidade de repressão e censura relativas aos nossos sentimentos naturais e espontâneos. Neste sentido, quanto mais repressores e censuradores os pais, mais dificuldades de entender as emoções sentidas e reprimidas dentro de nós.

Energias naturais do ser humano tais quais sexualidade, impulsividade, agressividade
[3], raiva, ódio, revolta são, normalmente, colocadas na sacola durante toda uma vida.
Aqui existe outro elemento: quanto mais guardamos essas energias, mais e mais intensas e latentes se tornam. Ficam como se fermentassem lá dentro de nós, e quando não colocadas para fora, acabam gerando a mais ampla gama de doenças e sintomas: azia, ulceras, enxaquecas, impotência, artrites, dores na coluna, câncer...
Conforme os anos passam, e este conteúdo sombrio cresce, tende a ser maior a dificuldade de entrar em contato com ele através de uma terapia. Por isso, muitas pessoas que já estão na chamada “meia idade” sentem muito medo de abrir a sacola. Existe muito medo dentro de nós de olhar para o que já foi guardado.
Por isso enxergamos muitas dessas coisas nos outros. Então, “a culpa do que acontece comigo é do outro”,

“Peça para um amigo lhe descrever o tipo de personalidade que ele acha mais desprezível, mais insuportável, mais odiosa e de convívio mais impossível; ele descreverá as suas próprias características reprimidas – uma autodescrição do que é absolutamente inconsciente e que, portanto, sempre o tortura quando ele recebe seu efeito de uma outra pessoa. Essas mesmas qualidade são tão inaceitáveis para ele precisamente porque elas representam o seu próprio lado reprimido; só achamos impossível aceitar nos outros aquilo que não conseguimos aceitar em nós mesmos. Qualidades negativas que não nos incomodam de modo tão intenso ou que achamos relativamente fácil de perdoar , em geral não pertencem à nossa sombra.”
[4]

Mas, quando estamos procurando nos conhecer, a sacola precisa ser aberta para liberarmos a energia desses sentimentos e emoções que armazenamos durante anos.

Através da psicoterapia, esta sacola pode ser aberta, percebida e assimilada, o que, por sua vez, propicia que seu potencial destruidor e conflitivo possa ser reduzido e a energia vital que estava aprisionada possa ser liberada, gerando mais tranqüilidade e equilíbrio emocional.
Nossa “pressão interna” ou “fermentação” irá diminuir.
Conhecendo o que guardamos inconscientemente por tanto tempo, podemos fazer escolhas mais sensatas a respeito de novamente empurrar ou não para nossa sacola sentimentos que precisam ser compreendidos e aceitos como parte de nossa natureza humana.
Assim, fica mais simples celebrar o que é espontâneo e natural na vida, fica mais simples exercitar nossa possibilidade de SER!

[1] ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo, Cultrix: 1991. p. 28.
[2] BLY, Robert. A comprida sacola que arrastamos atrás de nós. In: ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo, Cultrix: 1991. p. 30-36

[3] Antes que alguns gritem ou concluam antecipadamente, falo aqui da agressividade natural latente em nós, e não daquela direcionada aos outros. É natural ser agressivo no sentido de ter força garra, etc,. A agressividade no seu sentido distorcido e amplamente utilizada pelos seres humanos acaba sendo associada a um sentimento ruim, negativo por que a maioria das pessoas a canalizam para os outros.
[4] WHITMONT, Edward C.. A evolução da sombra. In: ZWEIG, Connie; ABRAMS, Jeremiah (orgs). Ao encontro da sombra: o potencial oculto do lado escuro da natureza humana. São Paulo, Cultrix: 1991. p. 37-42.